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A Memória de Lino de Almeida

O sociólogo, intelectual orgânico (auto-didata), militante das causas negras, engajado, polêmico, aglutinador, radialista e cineasta são algumas das possiveis definições necessárias para descrever o perfil de José Lino Alves de Almeida.

Desde seu falecimento, em julho de 2006, Lino tem sido homenageado em diversos lugares do mundo, o que revela a sua importância no contexto da militância pela igualdade e afirmação da identidade racial negra.Lino deixou uma lacuna nos movimentos sociais que lutam pelas causas negras. No entanto, Rita Honotorio, que foi casada com ele nos seus últimos oito anos de vida, pretende levar adiante as idéias do marido. "Claro que eu jamais poderia substituí-lo, mas farei tudo que tiver ao meu alcance para difundir a sua ideologia", promete.Rita é membro ativo do Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, criado por Lino na década de 70, e já enumera os projetos do sociólogo que serão continuados. Dentre as obras que o intelectual deixou inacabadas, está o documentário Gilberto Gil – Ministro de Xangô, para o qual a viúva procura um cineasta que mais se aproxime do perfil de Lino. O núcleo vai lançar ainda um livro eletrônico da vida e obra do ativista, além da trilha sonora do filme A Bahia do Afoxé Filhos de Gandhy, que já está finalizada.Há também o projeto da criação de um memorial com a produção intelectual do sociólogo e a sua biblioteca pessoal que conta com mais de 3 mil títulos. O pesquisador musical Jorge Portugal também deve prosseguir com o documentário, iniciado em parceria com Lino, sobre a origem do Samba, que teria nascido na Bahia.


O Militante - Lino de Almeida sempre foi engajado, desde adolescente já lutava pelas idéias em que acreditava. Na década de 70, era pioneiro na militância do movimento negro baiano e, nessa época, já defendia o sistema de cotas, tanto nas universidades quanto no mercado de trabalho. Ele também foi responsável pela organização do primeiro ato de afirmação do dia 20 de novembro, como dia da consciência negra, que posteriormente se tornaria feriado no Rio de Janeiro.

Em 1978, o intelectual representou a Bahia na primeira executiva nacional do Movimento Negro Unificado. Após a morte de Bob Marley, deixou os dread locks (cabelo rastafari) crescerem e assumiu a cultura reggae como forma de incorporação de elementos de identidade. "Lino traduzia as músicas de Reggae e usava as letras para incentivar uma mudança de comportamento da sociedade", afirma Rita Honotorio. Em 1981, o sociólogo criou a Legião Rastafari, que se tornou um dos maiores movimentos de resistência negra.

O Intelectual - Sociólogo, estudioso e pesquisador das ciências humanas e sociais, auto-didata, Lino possuía uma bagagem intelectual tão extensa quanto a sua aplicação nas causas políticas e sociais. Apesar de ser palestrante e conferencista de renome internacional - sempre fazia intercâmbios nos Estados Unidos e na Jamaica-, o ativista desprezava a academia, que considerava restrita às discussões no planos das idéias, sem executar ações práticas, além deixar os negros ao largo dos debates. "Ele nunca gostou disso porque sempre viu o negro como agente das discussões e não um objeto de estudo", explica Rita.

O Comunicador - "Sociólogo por formação e comunicador por opção". Essa é a definição de Rita Honotorio de mais uma das facetas de Lino de Almeida, que também surgiu devido a sua militância nas causas negras. Por sempre pedir um espaço nas grades das programações das rádios de Salvador, o ativista descobriu o seu talento nos microfones. Em 1986, estreou seu próprio programa, Rasta Reggae, na Itaparica Fm. Paralelo à sua carreira no rádio que durou mais de 20 anos, Lino atuou com êxito no mercado fonográfico com a produtora S12. Entre os destaques dos vários artistas que produziu, está o primeiro trio de Reggae do mundo, que teve como atração o cantor jamaicano Jimmy Clif.

O Homem - Lino de Almeida nasceu em 1958, no bairro da Liberdade, em Salvador. Sempre foi muito apegado a família, seus três irmãos e a mãe era sua grande musa. Praticante do Candomblé, era filho de Xangô, destinado a guerrear em nome da justiça e da vida plena. "Lino era um apaixonado e amava muito a vida, mesmo com câncer ele continuou trabalhando intensamente, as pessoas nem sabiam que ele estava doente", lembra Rita.O sociólogo também era muito lembrado pela sua adoração pela beleza e alegria. Ele era vaidoso, vestia-se sempre com elegância e usava os melhores perfumes. "Diziam que ele era o homem mais cheiroso da Bahia", brinca a viúva. Outro traço marcante da personalidade do intelectual era a sua capacidade de aglutinar pessoas de pensamentos distintos. "O Lino tinha um discurso radical, polêmico, mas transitava por todas as áreas da sociedade, todos os partidos políticos e mesmo assim conseguia aderência das pessoas para as suas causas", comenta Rita. Segundo a viúva, o ativista não se preocupava se alguém era branco ou negro, só o que importava era o espírito de justiça, a garra e luta contra o preconceito.

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